Corpo e Só

Dia 1

O metrô parou na estação, abarrotado. Era tanta gente espremida que algumas foram ejetadas quando as portas se abriram. Era o terceiro metrô que eu perdia.

Uma garota branquinha na casa dos vinte, os olhos vivos e bem feita de corpo, bufou pra mim com cara de desânimo. Para ela também seria o terceiro. A sirene anunciou o fechamento das portas. Ninguém tentou entrar. Uma muralha de corpos, metros e metros de espessura, bloqueava a entrada. Aquilo me revoltou. Me joguei contra aquela massa compacta de gente com todas as minhas forças. A violência, tanta e tão inesperada, criou um pequeno espaço, mínimo, porém suficiente, naquelas circunstâncias, para mim e para alguém pequeno como a garota branquinha. Ela me olhou, fiz que sim com a cabeça e ela veio. Ficou com metade do corpo pra fora, quase caiu quando as portas começaram a se fechar, mas passei meu braço em torno da cintura dela e a puxei pra junto de mim. As portas se fecharam. Ela virou o rosto, tentou disfarçar, mas vi que sorriu.

Dia 2

Ela tinha um nome, do qual não me lembro. Estudava administração. Sétimo período. Tinha carro. Tinha dois cachorros. Tinha noivo, mas terminou, ou meio que terminou, há pouco tempo. Não quis saber. Tinha meus próprios problemas. O chope gelado mantinha o papo correndo solto. Ela tinha um rostinho redondo, o nariz pontudo e delicado. Era magra, mas cheia de corpo. Os olhinhos pareciam sempre molhados, brilhantes.

- Mas e você? Me fala de você. - ela disse.
- Tanta coisa pra gente falar.
- Já falei tudo de mim.
- Só o que você queria que eu soubesse.
- Então pergunta... Pergunta o que você quiser.
- Uma música que te faz chorar.
- "Corpo e Só".
- Pronto, sei tudo sobre você. - eu disse, ela riu. - Agora vamos para um lugar mais aconchegante.
- A gente nem se conhece.
- Não vale a pena.
- Assim, no primeiro encontro.
- Não vai haver segundo.

O rostinho dela empalideceu. Os olhos brilharam tanto que eu achei que ela fosse chorar. Demorei a me acostumar, eles estavam sempre desse jeito.

- Melhor assim. - ela disse.

Pegou a bolsa e levantou. Mal tive tempo de largar uma nota de vinte sobre a mesa e correr atrás dela.

Ela fazia sexo com raiva, apesar do corpo delicado, da unha pintada de rosa, da tatuagem de flor na entrada do púbis. Por várias vezes tentei diminuir o ritmo da coisa, mas ela sempre acelerava, acelerava. Foi bom, mas acabou tão rápido. Ela se vestiu com pressa. De saída, me disse:

- Obrigada. Você me ajudou muito. - fechou a porta e se foi.

Não deixou telefone, e-mail, nada.

Dia 3

Eu sabia que mais dia menos dia nos esbarraríamos no metrô. Não demorou duas semanas. Ela sorriu ao me ver. O metrô parou, abarrotado, a muralha de gente, a massa compacta. Olhamos um pro outro e fomos tomar um chope.

- Meu ex me procurou. - ela disse. - Mandei praquele lugar.
- Viver sozinho não é fácil, garota.
- Sabe, eu ainda tava noiva quando a gente transou aquela vez. Tava infeliz, mas não tinha coragem de terminar.
- Coragem, às vezes, é insistir.
- Não estou te entendendo. Você quer que eu volte pra ele, é isso?
- Só amanhã de manhã.

O sexo foi calmo dessa vez. Horas e horas... Parecia aquela coisa tântrica. De vez em quando ela apertava os olhos e se arrepiava todinha. Era um belo espetáculo pra se apreciar. Decidimos que era uma ocasião oportuna para trocarmos telefones. Não é todo dia que se encontra sexo de qualidade dando sopa no metrô.

Dia 4

Meu telefone tocou. Eram sete da manhã. Ela tinha uma entrevista de emprego às nove e o carro não queria pegar de jeito nenhum. Não gostei da ideia, mas, ok, era uma entrevista de emprego, topei levá-la. Ela morava numa casa bacana de subúrbio. Veio toda bem vestida, maquiada, perfumada, cabelo solto. Se um dia eu fosse me casar, seria com uma mulher assim.

- É pra conseguir emprego ou marido?
- Estou bonita?
- Como esposa, eu bem que te contratava. – e ela riu.

Arranquei com o carro. Ela pediu para baixar o rádio e eu abaixei. Aí ela começou a falar, falar e falar. Eu só precisava reabastecê-la de tempos em tempos com um "aham" para que ela prosseguisse o monólogo sobre si mesma, suas ansiedades, seus problemas, seus planos, seus issos e seus aquilos.

Passamos em frente a uma estação do metrô. Parei o carro.

- Desce. - eu disse, no tom de quem não negocia.
- O quê?!
- Me liga quando quiser trepar.

Continuei olhando pra frente. Sabia que os olhos dela estavam brilhando. Não queria, não podia olhar para eles. Seria meu fim. Os carros de trás começaram a buzinar. Tudo que ouvi foi o barulho do cinto sendo desatado e o estrondo da porta batida com fúria.

Dia 5

Fui eu que liguei. Perguntei se ela queria passar no meu apartamento pra curtirmos um pouco. Ela veio. Calça jeans, rabo-de-cavalo, desodorante e só. Nada de maquiagem, nada de perfume. O sexo foi rápido e nervoso. Saí todo arranhado. Fomos comer alguma coisa depois. Ela estava muda.

- Olha, sei que fui um boçal. - eu disse.
- Não tenta se desculpar.
- Não chega a ser um pedido de desculpas. É uma explicação.
- Deixa. É melhor.
- Você é uma garota bacana, eu gosto de você e.
- O que você quer de mim, caralho? Anda! Fala!
- Nada. Vamos comer.

O bar tinha som ambiente. Começou a tocar "Corpo e Só". Fiquei quieto, ouvindo a letra.

Sem prender minha vida em você
Sem que a gente tenha que ser um


Olhei bem pra ela. Continuou comendo, impassível. Na saída, perguntei se ela queria dormir lá em casa. Estava tarde. Ela não se deu ao trabalho de responder. Entrou no primeiro táxi e partiu.

Dia 6

Meu telefone tocou:

- Quero trepar.

Mas não no meu apartamento. Preferiu um motelzinho de beira de estrada. A coisa voltou a ser tântrica. Eu já não sabia mais o que esperar daquela mulher.

- Obrigada. – ela disse. – Você me ensinou muito.

Silêncio. Ela parecia distante.

- Voltei com meu noivo. - disparou.
- Não estou entendendo mais nada.
- Me beija.

E a gente se beijou. Um beijo quente, forte.

- Que bom. – ela disse. – Foi assim que imaginei nosso último beijo.

Ela se levantou, catou as roupas jogadas pelo chão, o corpinho desenhando uma silhueta graciosa na meia-luz. Perdi o controle. Me desesperei.

- Troquei de telefone. - ela disse.
- Ainda temos o metrô.
- Não pego mais metrô. Me mudei. Estou morando com meu noivo.
- Pra que isso tudo?
- Não tem pra quê.
- Resolveu voltar pra vidinha de merda?
- Pelo menos eu tenho uma vidinha!
- De merda!
- Mas tenho!
- Fica comigo...

Ela segurou meu rosto entre as mãos, os olhinhos brilhavam. Eu sempre achava que ela ia chorar.

- Não estraga, vai. – ela disse. – Não estraga.

E se foi.

3 comentários:

Raphael Rap disse...

Pô tu demora pra postar, mas quando posta é pra lascar. Muito bom o conto. Só sei que se o pessoal do fórum visse tu escrevendo isso iam te condenar na hora...

Terá continuação?

Adriana Gehlen disse...

e aímmmmmmmmm
belo, e ui, tesão!
bem do jeito que eu gosto, sem prender demais! coisas rapidas e bem vividas.

:)
tu se supera.

garotinha disse...

O conto que eu queria escrever. Partece comigo!!!! E foi você que escreveu. Que inveja!
Bem que eu disse que se eu fosse homem eu seria você... bem que eu disse.